Passado de Christian Segi
Quando menino, eu desejava ter barba apenas para ir à barbearia do Sr. Fernando e como os outros homens pedir a ele que a fizesse apenas para fazer parte de todo o ritual daquele universo de homens adultos e também participar de alguma maneira daquilo tudo ainda que já soubesse das dores e responsabilidades que todos traziam em seus rostos cansados. Como não tinha barba, sempre conseguia dinheiro com minha mãe para ir cortar o cabelo, e então eu via como era aquele universo, e o lugar ficou para sempre gravado em minha memória: tudo era tão antigo, simples e o cheiro parecia como de um passado que foi um dia feliz. Eu me sentava num sofá de couro vermelho que tinha um rasgado costurado com linha preta já se desfazendo e abrindo novamente, mostrando a espuma amarelada e as estopas encardidas. A cadeira, o pequeno armário de cor verde com as gavetas descascando suas formicas com puxadores que imitavam a vidro. O espelho manchado pela ferrugem e pequenos retratos em preto e branco de rostos desconhecidos colocados no canto. Na parede, um calendário ultrapassado com a ilustração de uma criança chorando. Quadros, recortes de jornal e coisas do time de futebol preferido dele. O velho rádio de plástico preto sempre sintonizado na mesma estação de notícia e música sertaneja. A luz amarelada e fraca pendurada no teto, sempre alguém sentado do meu lado lendo um jornal esperando a sua vez. Mas o tempo passou, eu envelheci o Sr. Fernando faleceu, a barbearia fechou junto com todos os outros estabelecimentos que ali tinha, dando espaço pra um grande hipermercado que tomou todo o quarteirão; tudo acabou e morreu, ficaram lembranças em minha mente que logo também deixará de existir junto comigo. Hoje, os rostos que ali transitam são outros, mas igualmente tristes e preocupados como os que já se foram. E eu nunca tive barba, nunca fiz parte do ritual dos homens adultos e não tive chance de escolher ter a vida, preocupações e a tristeza que estampavam seus rostos; a arte me salvou de tudo isso e fui poupado. Minhas preocupações e tristezas são outras, meu peso é diferente, eu escolhi seguir os mestres da arte e literatura, escolhi observar e pensar sobre os rostos que passavam tristes escrever e pintar sobre eles. Mas isso não me tornou menos triste que eles, triste por eles, triste por mim. Sempre buscando razão pra continuar a caminhar a estrada sem sentido da vida. Querendo sentir o cheiro da barbearia e seus moveis antigos que me remetiam a um tempo que eu nunca vivi, sabendo que o mundo dos adultos é sempre triste não importa o quanto trabalhem, comprem ou gastem; no fim assim como a barbearia todos irão embora, não existirão mais e serão esquecidos para que venham novos rostos tristes para substituí-los, até quando?


Hoje eu sei que são nas coisas mais simples, corriqueiras e banais a onde deus escondeu as melhores alegrias e tesouros que apenas um coração manso e um olhar que se esqueceu da pressa, conseguem encontrar.
Princesa Oriental
Minha doce e amada bem feitora que vieste a mim apenas para trazer o bem e devolver meus passos cruzados e hesitantes ao caminho dos que vivem.
Você que quando surgiu foi como um sol se levantando na alvorada cuja luz e calor nem nada nem ninguém poderia deter.
Quando seus olhos cor de terra carregados de amor e compaixão caíram sobre mim inundaram de luz e cuidados os porões mais profundos e sombrios de minha alma débil, soluçante e desejosa que a eternidade fosse uma mentira.
Abri os olhos como quem nasce quando ouvi de seus lábios de cera o som do meu nome ecoando suave pelo pequeno jardim misturado com o farfalhar das folhas no chão sopradas pela brisa calma balançando os vagalumes quase apagados pendurados no teto de minha mente adormecida.
Vestida de sonho você flutuava e trazia na cabeça uma coroa de flores com cores nunca antes vistas e envolta delas, beija-flores que existiam apenas no paraíso cuja as penas eram as mesmas que recheavam o travesseiro de deus.
Leve-me para ti santa princesa e tenha-me para ti e em ti. Guarda o que sobrou de minha existência em um canto no seu coração e protege-me da angústia que sangra minha carne pela flecha que eu mesmo lancei.
Livra-me de mim mesmo.
